Eu a conheci pela Internet, mas juro que não lembro se foi pelo próprio Orkut, pelo bate papo do UOL, ou por algum outro site de paquera virtual.
Apesar disso conversava alegremente com ela pelo Messenger (que era o rei da comunicação nessa época) praticamente todos os dias. Contudo, ela era uma paquera à distância, morava em Campinas e eu em São Paulo. Não é longe, mas eu não tinha carro na época e são cerca de duas horas de estrada.
Eu era inocente, ainda tinha aquele lance adolescente de desenvolver sentimentos sem ter conhecido a pessoa… E eu gostava dela, ela era divertida. Além disso passei as poucas semanas em que conversei com ela à distância com um sorriso bobo na cara.
Então veio o dia dos namorados. Eu solteiro, ela solteira. Brincadeirinhas sobre estar sofrendo por não ter ninguém com quem passar esse dia. Então surge a oportunidade: O dia dos namorados cairia num domingo, e ela estaria em São Paulo, na casa de uma prima!
Antes de tudo marcamos de nos encontrar no Ibirapuera. Em frente àquela Aranha gigante da Marquise. É o melhor lugar pra encontrar alguém por ali, ou pelo menos era na época.
Nos encontramos, começamos a caminhar pelo parque. Conversamos, rimos, nos beijamos, andamos de mãos dadas, paguei um sorvete para ela. Perfeitamente um dia de “namoradinhos no parque”.
De forma abestalhada, eu disse “hoje é dia dos namorados, eu sei que acabamos de nos conhecer mas, quer namorar comigo?”
Ela disse sim, sorriu e me beijou.
Logo depois ela voltou para Campinas e eu fiquei em São Paulo. Nos ligávamos e conversávamos todos os dias da semana seguinte.
Nesse ínterim um cara posta no “scrapbook*” do Orkut dela um texto a xingando de maluca, vaca e daí pra baixo. Ela me disse que era um ex dela, e que ele era louco.
O cara percebeu que eu estava namorando com ela e escreveu um texto para mim, na minha página do Orkut, dizendo coisas como “cara, foge dela. Ela é maluca. Eu estou falando sério… Você vai se dar mal!”
Imediatamente, na minha inocência, bloqueei o cara.
Meu irmão mais novo também a adicionou tanto no Orkut quanto no Messenger. Ele também achava ela incrível. Mas em algum momento ele veio me dizer que achava que ela estava xavecando ele… Eu disse “não, ela é muito legal e por isso passa essa impressão, mas ela não é esse tipo de pessoa não”.
Afinal tinha chegado a sexta-feira da semana seguinte ao nosso primeiro encontro e naquela noite eu viajaria para Campinas. Ela morava sozinha e eu passaria o final de semana na casa dela!
Contudo, no scrapbook dela um novo cara aparece dizendo o quanto ele estava apaixonado e que ela era a melhor coisa que tinha acontecido na vida dele. E ela respondeu carinhosamente dizendo que pensava igual… Tentei falar com ela, mas ela me bloqueou.
Liguei, ela não atendeu o telefone.
Chorei como uma criança.
Duas semanas depois do ocorrido, ela me liga.
Chorando me pede desculpas. Diz que ela realmente gostou de mim, mas que tem uma personalidade autodestrutiva. Além disso diz que toda vez que ela vê uma chance de ser feliz, o inconsciente dela sabota a oportunidade.
Eu já comentei que eu era bobo e acreditava em tudo, não é? Pois é, acreditei nela.
Foi durante essa semana que ela me disse que tinha duas tias que moravam no Rio de Janeiro. Segundo ela, as tias eram wiccanas e tentavam ajudá-la a distância, pois ela tinha vários problemas psicológicos, fazia terapia e era dependente de Lexotan*.
Resolvi que iria ajudar no processo de cura, que seria compreensivo e que faria de tudo por ela. Estava predestinado a isso, era minha missão de vida e eu tinha certeza disso.
Posteriormente ela perguntou se podia passar meu e-mail para as tias dela. Eu que inclusive estudava e acreditava em ocultismo na época – e apesar do fato da wicca nunca ter me descido com algo sério – disse sim, e comecei a trocar e-mails com as tais tias.
Pelas mensagens notava-se que elas eram bem mais velhas e que gostavam muito da sobrinha, mas que sabiam que eu estava me metendo numa enrascada. “Você realmente quer isso?” e eu, tal qual um paladino montando um cavalo dourado disse “sim”.
Não pude ir para Campinas naquele final de semana, porque tinha um evento. Nesse meio tempo liguei para ela todos os dias e trocando e-mails com as tias. Tudo parecia bem.
Chega então o grande dia de ir para Campinas. Rotina de rodoviária, duas horas de viagem, ela me esperando na estação, tudo deu certo. Logo fomos pra casa dela, pedimos uma pizza, assistimos a um filme que ela havia alugado… A noite termina com sexo… Mas eu percebo ela um pouco desconfortável… Eu reduzo o ritmo, pergunto o que houve…
Então ela me abraça e começa a chorar. Aparentemente não quer comentar comigo sobre, e acaba dormindo nos meus braços. Por outro lado eu passo a noite inteira acordado, olhando para o teto.
Na manhã seguinte ela começa a falar sobre o porquê dela chorar.
Antes de me conhecer ela tinha um namorado – que não é o cara do primeiro scrap – e engravidou dele de gêmeos.
Apesar disso ela teve um problema durante o primeiro mês de gestação e os bebês morreram. Só que o corpo dela não expeliu, e ela marcou uma cirurgia para remoção. Porém no dia da cirurgia ela ficou com medo e fugiu…
“Então você está dizendo que ontem à noite enquanto nós estávamos… Dentro de você tinha…?” Eu pensei, mas não perguntei. Sabia que a resposta era sim e também não entendia muita coisa de biologia naquela época, mas vocês talvez já tenham tomado um spoiler aí.
Logo depois fomos a um parque, em seguida almoçamos em uma padaria e não tocamos no assunto. Mas aquilo ficou martelando na minha cabeça… Na verdade uma das coisas que eu me perguntava era “Será que eu tento essa noite de novo?”.
Antes que eu me desse conta, veio a resposta. À noite, deitamos na cama e ficamos abraçados… Demos alguns beijos e começamos uns amassos mais agressivos. Contudo no meio desses amassos, um empurrão me joga pra fora da cama. Olho para ela, ela puxa o lençol se cobrindo de olhos arregalados e grita:
“QUEM É VOCÊ?”
“O QUE ESTÁ FAZENDO AQUI?”
“SAI DAQUI! SAI!!!”
Na semana seguinte eu frequentemente trocava e-mails com as tias dela, sempre me consolando e dizendo para ter paciência. De acordo com elas, Helena teve que parar de tomar o Lexotan por causa da gravidez, e isso complicou um pouco as coisas… Mas também disseram que iriam para Campinas força-la a fazer a cirurgia ainda naquele final de semana.
Enfim lá pela quinta feira um novo scrap na página dela. Um cara que, pelo nome, era o pai dos fetos: “Sua louca, me deixa, pare de me ligar… Não quero falar nunca mais com você, some da minha vida”.
Então eu ligo para ela e pergunto sobre. Apesar disso ela estava em uma reunião no trabalho e não tinha como falar muito. A primeira coisa que ela me pede é para apagar o scrap que depois ela me explicaria. E ela me dá a senha do Orkut dela.
Eu acesso o perfil dela e apago o scrap… Meu ser é envolvido por uma curiosidade implacável: “será que ela usa a mesma senha no e-mail?”.
Sim, ela usava.
Acesso o e-mail e começo a fuçar o histórico. Juntamente com um monte de spam, encontro uma conversa bizarra com mais de trinta e-mails.
Ela, a ginecologista dela e o ex – pai dos fetos – trocando e-mails sobre a situação da gravidez. Seja como for, a ginecologista atualiza todo o processo, até a revelação de que os fetos estavam mortos acontece por e-mail. Demorei para me dar conta de um detalhe sinistro… O e-mail da ginecologista… ERA O MESMO E-MAIL DAS TIAS.
Imediatamente tentei acessar aquele e-mail das tias/ginecologista usando a mesma senha dela e funcionou. Me arrepia de escrever isso ainda hoje, senti como se meu corpo estivesse derretendo e escorrendo para dentro de um bueiro. Em outras palavras: era tudo mentira. A ginecologista não existia. As tias não existiam. Ela provavelmente nunca sequer esteve grávida, e usava aquele e-mail para enganar o ex.
Liguei para ela, discutimos, ela disse que tinha acabado, que nunca mais queria me ver na vida, eu disse o mesmo.
Pela segunda vez, chorei igual uma criança.
Nunca mais falei com ela, mas algumas semanas depois fui xeretar o Orkut dela… Quem nunca?
À primeira vista ela estava namorando um cara… Obviamente ele se mostrava completamente apaixonado. Ainda me assusta o poder que ela tinha de fazer as pessoas se apaixonarem por ela. Pensei em deixar uma mensagem para ele… Mas, pra quê? Ele não acreditaria em mim.
Contudo, no scrapbook dele uma menina louca chamada Verônica o xingava dizendo que era um absurdo ele ter terminado com ela para ficar com a Helena. No scrap abaixo, o garoto se defendia dizendo que nem conhecia essa menina, nunca a tinha visto na vida. A Helena não parecia acreditar e brigava com os dois. Tudo público, tudo ali. O Orkut era ótimo. Seja como for, essa Verônica estava fazendo da vida dos dois um inferno.
Por fim, uma outra característica curiosa do Orkut é você podia buscar pessoas por e-mail. Fui na busca, digitei o e-mail das tias/ginecologista.
Apareceu a Verônica.